"Em meio a doenças de características diversas começa a corrida para diminuir a dor. Uma busca desesperada por algo que atenue o sintoma: uma festa, uma droga, um seriado, um medicamento ou ainda qualquer tipo de relacionamento. Tudo para ofuscar a incapacidade interna de burlar o condicionamento social e se admitir sensível e incapaz de viver de forma tão artificial e incoerente com o coração."
Existe uma solidão assolando a humanidade.
As pessoas se comunicam o tempo todo através de dispositivos
e redes sociais, mas ainda assim se sentem sós como nunca. É como mascar chiclete quando se está com fome: o
coraçãozinho da mensagem nunca nutre e acolhe como um ato de amor real,
pessoal, com olhos nos olhos, mão na mão. Nenhuma mensagem é capaz de
substituir o calor do corpo, um abraço, uma mão no ombro em momentos de
dificuldade.
“Olhe para mim”. Eu sinto que a humanidade diz o tempo todo
“Olhe para mim!”. “Olhe nos meus olhos, segure a minha mão, escute o meu
coração. Por favor, olhe para mim...”
Mas olhares são cada vez mais raros hoje em dia. Por detrás
dos sorrisos nas fotos, as pessoas seguem mecanizadas, reprimidas, doentes.
Tudo é tão veloz e os momentos de prazer são curtos. Paira um desejo intenso de
eternizá-los nas fotos que nunca são revistas até que se perdem na nuvem de
stress e ansiedade.
Em meio a doenças de características diversas começa a
corrida para diminuir a dor. Uma busca desesperada por algo que atenue o
sintoma: uma festa, uma droga, um seriado, um medicamento ou ainda qualquer
tipo de relacionamento que ofusque a incapacidade interna de burlar o
condicionamento social e se admitir sensível e incapaz de viver de forma tão artificial
e incoerente com o coração.
E a alma continua dizendo “olhe para mim”...
O filho nasce. Os pais estão já mecanizados, tensos numa
forma de descobrir como sobreviver neste mundo veloz em que metas são
estabelecidas acima dos limites da humanidade. A criança diz “olhe para mim!”.
Ela chora, ela adoece, apresenta distúrbios de comportamento, escolares... Os
pais que têm condição entregam a cuidadores, médicos, terapeutas e educadores.
Os que não tem condição entregam a outros irmãos, outras crianças que vieram
dizendo “olhe para mim”. Entregam a brinquedos, a jogos ou à sociedade. No trabalho, ninguém me olha. É preciso ser produtivo,
implacável, responsável, trabalhar bem sob pressão. Eu chego em casa e peço ao
meu companheiro ou companheira “olhe para mim”. Mas será que ele aprendeu a
olhar? Será que ele se lembra como olhar? O que é um olhar? Ou ele só aprendeu
enquanto seu pai lia o jornal e sua mãe cuidava da casa e dos irmãos que é
melhor desistir do olhar? Aprendeu baixar as vistas no celular, num computador
buscando o olhar alheio nas curtidas para suas publicações?
É uma questão de tamanho de dor: uma ausência do olhar de
quem se ama dói mais do que a ausência de curtidas numa publicação. Sempre se
pode dissociar, buscar um vídeo engraçado ou polêmico e assim esquecer-se de si
e de sua dor.
Mas agora, mesmo aparentemente tão conectada, moderna e
evoluída, a raça humana pede socorro. A natureza de “ser social”, “ser
familiar”, grita e exige “Olhe para mim, me ensine a ser humano. Me ensine o
que é compaixão, empatia, acolhimento. Me ensine o que é amor”
Amor não se aprende em textos. Não se exercita em curtidas.
O amor se aprende nos pequenos atos presenciais. No toque, no olhar, no
suspiro. No que é dito e não dito, mas vivenciado junto. No grito, no choro
depois do grito e no abraço que vem depois do choro. Na raiva, na agressão e no
perdão depois que vem depois agressão. No olhar profundo que vê por dentro, e
também do que lembra tudo o que foi construído, sentido, sofrido e que já
passou, deixando apenas o aprendizado e a sabedoria que se usufrui e vive JUNTO.
São tempos estranhos esses... Tempos de “Baleia Azul”, e
também de “balas”, “doces”, de “cala boca e beija logo”, de “preparadas”,
“ordinárias”, “novinhos”, “sofrência”. Mas não é a primeira vez que as pessoas
se autodestroem por falta de amor. Já tivemos duelos, guerras santas e
demoníacas, autoflagelação, inquisição, apartheid, boemia, ditadura,
escravatura, overdose, prostituição lícita. Mas é a primeira vez que a “moda” de
sofrer por falta de amor tem reconhecimento global.
Por que insistimos em viver sem amor? Por que insistimos em
negar as necessidades básicas humanas, passar por cima de tudo implacavelmente
e se molestar emocional, física, psíquica, espiritual e ecologicamente? Tanto desrespeito
ao sentimento de humanidade... Sempre tentando ser robôs – dizer não a
sensibilidade, não a intuição, não a empatia, não aos ritmos naturais do corpo
e da Terra, não ao olhar. E dentro de cada um a terra seca, sem o calor do sol
do interesse sensível e real; a terra morre sem a água do amor.
Olhe para mim. Olhe para mim. Eu sou um humano, olhe para
mim. Eu preciso ser eu mesmo. Preciso rir, mas também preciso chorar. Preciso
gritar e às vezes silenciar. Eu preciso de tempo para descobrir quem sou sem
rótulos, mas também preciso de ajuda para aprender a sentir e ser sem morrer.
Eu preciso da natureza, pois dela eu vim e ela me nutre de todas as formas
possíveis, inclusive através do contato com outros humanos, nascidos da
natureza. Olhe para mim. Me veja, me toque, me deixe te tocar. Me sinta e me
deixe te sentir. Pois sou feito de você e do Todo, nem mais nem menos. E você é
feito de mim e do Todo. Através dos teus olhos, me vejo e me reconheço. Através
da sua dor tenho oportunidade de te tocar e me curar.
Olhe para mim. Assim o meu-seu olhar nos ensinará o que é o
amor.
Vida viva para todos!
Juliana Maia
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